Coisas da minha terra

                                    

         As mangas do Sítio Comum 
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Em Viçosa do Ceará até o final do século passado uma prática era comum entre as classes populares (plebeus viçosenses) esta prática consistia em se deslocar dos bairros ou ruas periféricas (Escola Normal, 10 de Novembro, Caranguejo, Malvinas) para o Sítio Comum nas proximidades do Bairro São José, na época conhecido por Iraque, para buscar deliciosas mangas. A prática envolvia crianças, adultos e idosos que se reuniam em grupos de aproximadamente 10 pessoas, geralmente na madrugada ou tardinha, que a pé caminham com seus baldes e latas. O balde ia aumentando de tamanho conforme a idade. Lá chegando todos catavam as mangas que estavam espalhadas pelo chão, na safra esta fruta cai quando madura, até encher suas vasilhas. Quando todos estavam carregados de mangas então voltavam para suas casas, alegres, conversando, mas ao chegar na “passagem” ( um riacho que escorria das águas da Lagoa Pedro II) a parada era obrigatória, lá a diversão era garantida para a meninada que banhavam-se alegremente nas águas ( na época limpas) e escorregavam nas pedras lisas pelo lodo) depois da diversão todos pegavam suas latas e seguiam. Aquelas crianças não tinham vergonha alguma de irem com nossos baldinhos na cabeça e o fundo sujo de lodo. Era um momento de felicidade em um tempo onde a televisão não era tão popular, onde internet não existia por cá, era uma forma de diversão. Hoje não tenho conhecimento que alguém ainda faça esta festa da manga, pois quase todos têm condições que compra-las na feira, as crianças têm outras diversões e os adultos não dispõem deste tempo todo. Revolvi escrever para que esta memória não se perca, pois sei que algum adulto ou adolescente de hoje vai lembrar, talvez quem esteja lendo não more mais em Viçosa e hoje nem goste mais de manga, mas vai lembrar e vai encher os olhos de lágrimas. Esta é uma forma de mostrar como nosso povo sobrevive às adversidades fazendo da pobreza, e da luta contra ela, um momento de alegria, descontração, e porque não um momento de interação social. Nada de pizzaria, restaurante ou bares, a “negrada se encontrava” era no COMUM.

                                                                    A corrida da tanajura


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A tanajura é uma formiga da família das saúvas. É uma fêmea que após acasalar, funda um novo formigueiro. No inicio do “Inverno” para nós cearenses (Janeiro a fevereiro) logo após dias chuvosos (segundo a tradição popular três chuvas fortes), elas saem de seus formigueiros para fundar novos.   Bom, é nesta época que os moradores de Viçosa do Ceará saíam às ruas para “pegar tanajura”.  Hoje a prática fica mais restrita aos sítios- devido o crescimento urbano-, mas há alguns anos atrás era uma verdadeira festa onde crianças e mesmo adultos com suas “latas e manteigueiras”, panos ou cipós corriam nas ruas em busca dos insetos comestíveis.  Muitos gritavam a famosa frase “Cai, cai tanajura que teu pai ta na gordura”. No fim da tarde todos iam contabilizar suas tanajuras, a disputa entre a meninada era para ver quem havia conseguido o maior número delas. À noite no jantar: tanajura frita com farofa, algumas pessoas não as comiam, porém participavam da captura.  Participei muitas vezes, confesso que era um dos momentos mais esperados do ano, pois poderia correr  toda a rua e suas adjacências sem receber broncas. Hoje a tanajura ainda é muito apreciada, porém sua captura como já relatada, não se faz mais na cidade, portanto não gera mais a corrida da tanajura. 
                                                                                 



As lavadeiras do Itagurussu


Até meados dos anos 90 em Viçosa do Ceará, assim como em outras diversas regiões desse imenso Brasil, água encanada era “coisa de rico” a maioria das famílias pobres moradoras dos bairros periféricos não dispunham de água em casa. A solução era os riachos e fontes, uma das fontes bastante utilizada foi a do Itagurussu, localizada na saída da cidade nas proximidades do bairro Escola Normal. Uma pedra gigante forma um abrigo natural de onde jorra água. Os populares dividiram as fontes e nascentes em “biquinha”, “chuveiro” e “banheiro”. Na “biquinha” se pegava água para beber, no “chuveiro” mulheres lavavam roupa, no “banheiro as mulheres e crianças lavavam roupa e tomavam banho, e os homens”? Bom, estes só poderiam tomar banho à noite, pois durante o dia aquele espaço era como o gineceu, dominado pelas mulheres. Aquele espaço era sagrado para os populares e em torno dele girava estórias de assombração e lendas. Era a mãe d’água que “frechava” as crianças, era a princesa encantada que vinha tomar banho a noite, e uma lenda que assustava meninas: dizia-se que no dia em que três mães e três filhas estivessem sob a pedra ela cairia sobre todos que lá se encontravam. O espaço era muito frequentado todos o dias da semana, algumas mulheres complementavam a renda da família lavando roupas para os “brancos”, como elas chamavam as famílias ricas para as quais lavam roupas e prestavam outros serviços, a designação branca revela um passado indígena. Hoje a pedra é um ponto turístico, muitos passam por ali, mas poucos sabem as histórias e estórias que as rochas guardam. Gerações banharam-se, brincaram, trabalharam se socializaram sob a pedra grande.

                                               A visita da "santa": mês de maio e catolicismo popular
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O mês de maio segundo a tradição católica é o mês de Nossa Senhora. Então em Viçosa de outrora era comum mulheres  se reunirem para visitarem as casas de seus bairros, rezando o terço e cantado canções tais como: “A treze de maio na cova da íria no céu aparece a Virgem Maria. Ave, ave, ave Maria Ave, ave, ave Maria...” A cada casa visitada um mistério do terço era rezado,  logo após a dona ,ou dono, da casa levava a imagem até a próxima casa. Ao final do mês todas as casas de católicos tinham sido visitadas e havia na última casa a coroação de "Nossa Senhora" pelas crianças do bairro. O interessante é que ao longo do mês muitas crianças “acompanhavam a santa” nas visitas. O que para os adulto era fé para os pequenos transformava-se em um momento de descontração, alegria e brincadeira no encontro com os colegas. Esta prática ainda permanece timidamente com poucas mulheres e quase nenhuma criança, pois a internet  é agora o espaço de socialização. São os adventos da modernidade que competem e ganham... E aos poucos a cultura popular vai sendo esquecida. E aí que advém meu silencioso, mas apaixonado trabalho: registrar o que os outros esquecem... Assim em algum lugar estará guardado para  as gerações futuras.


                                                          Praça de cima e praça de baixo

Praça general Tibúrcio . Google imagens.
Praça Clóvis Beviláqua. Google imagens.
As principais praças da cidade de Viçosa do Ceará são:  Praças General Tibúrcio (praça de baixo) e Clóvis Beviláqua (praça de cima). Os adolescentes de hoje que transitam em ambos os espaços não imaginam que em outros tempos tais espaços tinham um forte teor de divisão social. Os espaços eram segregados, não no sentido legal, mas no sentido cultural, pois a questão social foi muito forte por estas terras, não que tenha  se erradicado, mas hoje não se é tão forte como em outrora. Bem, funcionava da seguinte forma: praça de baixo era frequentada pelos jovens oriundos da  classe média, já  a praça de cima era frequentado pelos filhos das classes populares.  Ambas "lotavam" à noite, eram espaços de socialização e namoro. Sem celulares e notebooks a juventude conversava, isso mesmo; conversava, paquerava ao vivo, dava psiu, mandava cartinhas, oferecia música na amplificadora do seu Juarez. Tudo isso parece em um passado tão longínquo, mas nós da geração de 80 - 90 vivenciamos tudo isso ainda no inicio dos anos 2000.  Hoje estas praças que tantas gerações vivenciaram momentos importantes encontram-se em reforma. Suas descaracterização representam um golpe à memória local.  Quem tem entre 20 e 30 anos lembra-se muito bem da música que se tornou o "toque de recolher", pois após seu toque, todos entendiam que era hora de ir para casa. A canção era: 
"Tranquei a vida
Neste apartamento,
E a marcada juventude também.
Meu medo esconde o meu pensamento
A sorte, a morte e a ausência de alguém
Se saio às ruas passo pela vida
Numa calçada, numa esquina ou num bar
Misturo a dor com a multidâo perdida
Pra me esconder e nâo mais me encontrar
Tâo minha e tâo mulher, amada onde estiver
A quero tão pra mim, ainda quero sim
Seja em que tempo for, marcado pelo amor
Volte pra mim, volte correndo (...)"
                                                      
                                                                                  Fogueiras Juninas 
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Fazer fogueiras era costume comum em Viçosa do século passado e até inicio dos anos 2000, eram as fogueiras juninas! Não é que esta prática tenha sido extinta, porém com a pavimentação das ruas , urbanização da cidade e individualização da sociedade tal prática vem perdendo seu espaço e aos poucos transformando-se em memória. Lembro -me que nós, crianças dos anos 90, esperávamos ansiosos pelo mês de junho. Na frente de cada casa fazia-se uma fogueira onde os adultos assavam carnes e milhos e conversavam. Nós crianças brincávamos, passávamos fogo, eram dias de alegria onde podíamos brincar com fogo, sem medo de fazer xixi na cama. Quem não lembra das madrinhas, padrinhos e comadres de fogueira? Os adolescentes faziam simpatias amorosas para descobrirem suas almas gêmeas. Realmente era um momento de socialização onde as conversas duravam até o apagar das chamas e nossas casas enfeitadas com bandeirinhas feitas de jornal e revista alegravam as noites juninas. Isso fazia parte da nossa identidade....da nossa tradição. Hoje assistimos a uma padronização cultural...a Indústria Cultural aos poucos, ou não, se apropriou de nossas tradições e as transformaram em mercadorias. A pergunta é? Como faremos para preservar nossa identidade frente a todas essas mudanças bruscas? 





Origem do feriado da Data Magna

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