Contos (amadores)

 

A MUDANÇA

 

Emanoel chegou cansado de mais um dia de trabalho, entrou em casa, abraçou seus filhos e sua esposa. Sentou-se na cadeira da cozinha para ouvir sua esposa falar, sobre as peripécias das crianças, enquanto preparava um café. Após tomar o café lembrou-se do cano do banheiro que precisava concertar, dirigiu-se até o banheiro e começou seu trabalho, percebeu que estava sendo observado por um de seus pequenos.

- Papai, quando eu crescer quero ser igual ao senhor.

- Como assim? Tem certeza?

-Sim, você é forte e valente.

-Não sei se sou, sou apenas um homem igual a tantos, vivendo meu cotidiano.

Emanoel abraçou o pequeno e o levou para o quarto. Era hora de colocá-lo para dormir, enquanto o colocava na pequena cama, lembrava-se de sua vida de antes. De sua antiga casa, de sua ex-esposa e de seus filhos. De como ele também os colocava para dormir, de como chegava sempre em casa no mesmo horário, de como concertava os canos. E do dia em que resolveu largar tudo e mudar de vida.  E agora se via ali na mesma vida, fazendo as mesmas coisas, só que com outra família, não seria algo inerente ao ser humano à busca por rotinas, ou seria ele pertencente a um subgrupo de humanos que por mais que tentem fugir do cotidiano, acabam sempre caindo nele?

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O relógio e frio olhar

 

Diana andava de um lado para outro, abria e fechava aporta. Olhava para o relógio e o ponteiro já marcava 19 horas, e nada. Como era cruel a ansiedade da espera, de repente vozes no corredor, pela brecha da fechadura viu que um casal conversava. Diana sentou-se e outra vez consultou o relógio.

A ansiedade consumia sua alma, e o tempo passava devagar, e nada acontecia. As vozes no corredor silenciaram-se e novamente estava ela ali sentada sobre a cama sem ouvir som algum. O celular vibra e ela corre até a mesa para ler a mensagem de texto: “Estou subindo.” Coração entende o que esta acontecendo e começa a pular dentro do peito.

Passos na escada, sim, ela reconhecia aqueles passos, abriu a porta e ainda com as luzes apagadas esperou seu objeto de desejo e ansiedade chegar. Beijos, abraços, palavras.  Diana acendeu a luz e pode ver toda a sua vida refletida naquele par de olhos. Como ela amava aqueles olhos, aquele perfume. Aquele jeito sedutor e misterioso de quem nunca se mostra por completo.

E novamente o tempo lhe era inimigo, antes fez eternidade para passar, e agora passava rapidamente. Diana consultara o relógio que marcava 21 horas, seu paraíso acabara, era chagada a hora da partida. Abraços, beijos e olhos nos olhos. Poderia ser um até breve ou até nunca mais, ela nunca saberia. Na verdade ela viveria a vida inteira sem saber quando seria a última vez.

Passos na escada, barulho no portão e novamente o silêncio. Diana olhou para o relógio e sentou-se na cadeira, a única disponível no pequeno apartamento. Fechou os olhos e tentou imaginar onde estaria agora seu amor? Quem era seu amor? A única coisa que pode ver através dos seus lindos olhos verdes foi o vazio e frio de alguém que jamais voltaria, não daquela forma e com aquele olhar.

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O vestido e o batom

Márcia pegou a tesoura e furiosamente cortou todo o seu vestido de noiva.  Cada pedaço correspondia a um punhado de lágrimas. Entre soluços e lágrimas o vestido foi reduzido a tralhas, assim como seus sonhos. Márcia não continha sua tristeza, sua fúria, sua angústia, um turbilhão de sentimento a empurravam para o chão, deitou-se, arrastou-se, tremia, sua alma havia sido massacrada. O que Thiago estaria fazendo? Tomando vinho com o novo grande amor de sua vida? Estaria Thiago também triste? Seus sonhos também haviam sido interrompidos? Ou pior, estaria ele indiferente a todo sofrimento de Márcia? Muitas perguntas e nenhuma resposta. Enquanto arrastava-se pelo chão, lamentando seu infortúnio, avistou sobre a estante um batom vermelho, o mesmo batom que Thiago havia lhe proibido de usar, o mesmo batom que ela comprara com tanto entusiasmo, o que mesmo batom que ela, ao usar, sentiu-se bela, lá estava seu batom, a sua espera. Márcia levantou-se, pegou seu batom e pela primeira vez viu-se como realmente era: sozinha, mas com um batom que lhe dava brilho, vida.

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O luto

Estava cansada, mas não era aquele cansaço físico do qual todos se orgulham, pois é sinal que cresceram que deram certo na vida (será?), era um cansaço da alma. Durante o dia Alice parou por diversas vezes seu trabalho para refletir, pensamentos difusos lhe perturbavam, ao voltar para casa, parada no sinal, uma lágrima lhe caiu dos olhos. Lembrou-se a mulher que um dia foi, de todos os sonhos, uma casa grande, uma imensa biblioteca, uma viagem para ver as baleias, um amor, uma família. Mas ainda havia tempo, então porque se sentia tão vazia? Lembrou-se de Jonas e de todo o amor que ele havia lhe dado, todos os cuidados, todos os presentes, de todas as promessas, do sonho de envelhecerem juntos, uma tristeza profunda tomou conta do seu ser, o sinal abriu. Ao chegar a sua casa, preparou um café com ovos mexidos e pão francês, e novamente lembrou-se de Jonas, das viagens nos finais de semana, e das tantas planejadas. Porque dentre tantas pessoas, justamente Jonas havia morrido?  Por que ele havia morrido de forma tão trágica dentro dela? E agora seu fantasma a rondava. Tomou o café e dirigiu-se ao quarto, viu sobre a cama a imagem de Jonas, sentado a reclamar sobre sua demora do trabalho, piscou os olhos e ele havia sumido. Delicadamente tirou suas vestes e jogou sobre o cesto de roupas sujas, pegou sua toalha mais velha, mais sofrida, mais fragilizada pelo tempo e dirigiu-se ao banheiro. Enquanto a água lhe molhava o corpo e a alma, Alice lembrava-se dos primeiros sinais da doença de Jonas; em um domingo Alice saíra para jantar com um amigo, quando o telefone tocou, com naturalidade ela lhe falou onde estava. Jonas transformou-se do homem gentil e educado em alguém que ela não conhecera, Alice sentiu-se culpada, pois havia tirado seu amado do sério. Gradativamente outros sintomas foram surgindo, mais como um mal que a atingia mais do que a ele, a doença ia a matando.  Alice saiu do banho, seu telefone tocou e seu coração disparou, não era ninguém, apenas a operadora ligando para vender pacotes. Ela deitou-se na cama e sentiu a dor de todas as mulheres do mundo ardendo em seu peito, a dor de quem perde alguém em vida, mas que em troca ganha sua própria vida. Dormiu profundamente e sonhou com Jonas lhe sorrindo. Acordou com o barulho do despertador, já era dia, e uma nova chance de viver lhe era dada. 

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              Apenas mais um episódio da eterna despedida do amor (efêmero)

Acordou cedo, passou um café bem forte, lavou o rosto e foi como todos os dias: comprimir, rigorosamente sua rotina. Na rua e no trabalho tudo igual: conversas e risos e até algumas frases de motivação. Chegou em casa, mais café, um momento de ócio e novas tarefas. Enfim, chegou o tão esperado momento: por volta de 21: 30 deu a última checada no celular e: nenhuma mensagem relevante. Milhares de pensamentos (milhões seria exagero) e em cada um deles a imagem do seu último (de muitos) amores, dos bons momentos, mas também imagens do não vivido, do interrompido, do interrompido pela sua ânsia de vivê-los, mas era uma ânsia solitária, unilateral, de alguém que espera uma confirmação que nunca veio. Alguém que escolheu viver um amor (sem nada esperar) e o teve até no dia que resolveu (algo esperar) e esperou, esperou, esperou, e não veio. E a espera desesperou-se e partiu. Partiu com o coração partido, partiu olhando sim para trás, partiu pelo amor que sente por si.

 

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                                                 Na dúvida feche a janela  

Noite fria, janela entreaberta, coração anestesiado, olhar fixo em um papel, caneta na mão, as palavras a ela fugiam. Não sabia como começar aquela carta. Poderia mandar uma mensagem de texto, mas não queria. Queria eternizar suas palavras em um papel, embora pudesse, facilmente, ser rasgado e assim o foi. Papel rasgado, palavras em migalhas foram levadas pelo vento que soprava pela janela entreaberta. A carta que nunca foi, as palavras que não foram lidas, as lágrimas que foram poupadas, o silêncio que não foi quebrado. O tempo fez sua parte e transformou tudo em memória, a dor se desfez, a lembrança do sorriso aos poucos foi ficando preta e branca, perdendo-se as cores vibrantes e o que outrora foi ternura transformou-se em novas palavras, agora sim escritas e lidas, mas sem destinatário. E a janela fechada. 


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