Carla Regina Alves Teixeira [1]
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A
Serra da Ibiapaba, ou Serra Grande, ou ainda Serra Talhada, (tradução mais
usada do topônimo Ibiapaba) situa-se em meio ao semiárido nordestino e noroeste
do estado do Ceará. Foi por esta região que começaram as primeiras invertidas
lusitanas, pois se tratava de uma região estratégica para se alcançar o
Maranhão, na época ocupado pelos franceses que desrespeitando o Tratado de
Tordesilhas haviam fundado a França Equinocial.
Anterior
à chegada dos europeus habitam a Serra várias tribos indígenas dentre as quais
se destacavam os tabajaras pertencentes ao chamado grupo linguístico tupi.
Segundo Pedro Théberge: os tabajaras da Serra impunham seu domínio
sobre diversas tribos tapuias. E segundo o historiador do século XIX Batista Aragão: teriam sido
agregados ao planalto ibiapabano na segunda metade do século XIV, procedentes
das regiões são franciscanas onde terão entrado em desentendimento com Maiorais
de sua parcialidade. Segundo informações coevas, o itinerário percorrido
realizou-se por etapas, acostando inicialmente no litoral
rio-grandense-do-norte, ou o que seria debaixo dessa denominação e em seguida a
buscar o oeste do setentrião, alcançando o que seria o Cariri e logo em seguida
a Ibiapaba.[2]
Portanto os tabajaras da Serra da Ibiapaba seriam provenientes de regiões são - franciscanas do Nordeste do território que hoje constitui o Brasil, teriam migrado por desentendimento com outros grupos, as guerras entre as etnias eram constantes uma vez que tinha para estas sociedades um significado diferente, não sendo entendido pelo europeu. A guerra entre os estes povos tinha um sentido honroso e fazia parte de sua cultura, não tinha fins lucrativos como para os demais povos. Portando o encontro com o homem europeu representou a encontro de dois mundos: mudos que se chocaram.
As tribos chamadas de tapuias pelos tupis, denominação apropriada pelos
europeus, eram os ocupantes das regiões interioranas do território, inimigos
dos tupis eram os “outros”, podemos perceber o discurso etnocêntrico entre os
povos pré- colombianos. O etnocentrismo é uma atitude na qual uma pessoa ou um
povo tende a julgar o “outro” a partir de seus valores culturais,
portanto não nasce com a descoberta das Américas, mas se propaga em proporções
nunca vistas. Etimologicamente tabajara significa “[...] taba= aldeia + jará=
de yara, senhor, dono, aquele que domina, pressupõe-se que esses índios
portavam-se como dominadores do rincão onde mantinham suas bases familiares.”
(CIARLINE, 2009: 225). Os tabajaras
impunham seu domínio sobre as demais etnias da Ibiapaba.
Os
tabajaras viviam em aldeias e sua organização social se baseava na divisão
sexual do trabalho tendo os homens como guerreiros e as mulheres na coleta de
frutos. A religiosidade estava intrinsecamente ligada às suas vidas por
isso uma das figuras mais importantes da tribo era a do pajé- o pajé é
quem fazia a ligação entre os seres sobrenaturais e as indígenas. Ele era o
guia da comunidade, o responsável pelos enfermos, pela organização dos rituais
e preparação para a guerra- Ao contrário do que os europeus propagariam mais
tarde, os tabajaras tinham sim uma sólida religiosidade, baseada eme elementos
da natureza. Outra característica da organização social dos tabajaras era a
reunião em uma espécie de conselho para decidir os assuntos importantes como a
guerra por exemplo.
As
festividades tabajaras eram regadas ao som dos tambores e ao consumo de bebidas
fermentadas especialmente o cauim feito a partir da fermentação da mandioca.
Além da mandioca utilizavam outras raízes e frutos para a produção de bebidas.
Nos rituais de iniciações os curumins eram levados a tal prática. Predominava
entre as tribos tabajaras a poligamia, os homens poderiam ter mais de uma companheira se assim desejassem. Posteriormente com a vinda dos jesuítas tais
práticas seriam condenadas e até mesmo demonizadas.
Durante
os dois o primeiro século de colonização do território brasileiro a província
do Ceará não foi efetivamente ocupada. Após 1500 e até a ‘bandeira’
de Pero Coelho, em 1603, o litoral cearense foi objeto de execuções náuticas,
assim de navegadores não oficiais, como de flibusteiros em busca de resgate com
os índios.[3] Uns destes flibusteiros foram os franceses como nos
mostra outro historiador do século XIX Raimundo Girão: Outros viajantes
nelas abicaram possíveis piratas negociando clandestinamente com os
ameríncolas, notadamente corsários franceses, que perdiam a esperança de
conquistar as terras de pau Brasil. Como salienta Capistrano: de espírito
mais aberto, inteligência mais ágil, gênio mais alegre, trato mais agradável,
não viciados pelo contato diurtuno das raças inferiores, aprenderam, aceitaram
os costumes, captaram as simpatias dos indígenas, isto é, dos produtores, e
pouco a pouco foram preponderando[4].
Os franceses foram, portanto, os primeiros europeus a manterem contato com os tabajaras da Serra estabelecendo com estes uma relação de troca, sem tentar impor sua cultura, uma vez que as relações eram comerciais que dividiam interesses. Segundo relatos de historiadores do século XIX alguns indígenas encontravam-se convertidos ao protestantismo calvinista, o que levou Padre Vieira em sua passagem pela Serra a cunhar a expressão: Genebra dos Sertões do Brasil, em alusão a capital da Suíça, país onde o calvinismo ganhou grande número de adeptos durante a Reforma Protestante. Esta associação até hoje confunde moradores e visitantes que acreditam que o termo "Suíça cearense" faz referência ao clima ameno serrano.
Esta segunda tentativa também não prospera, embora deixe profundas marcas da cristandade no meio indígena. Mais a frente outros jesuítas concluiriam este trabalho.
A aldeia foi palco das relações de trocas, de negociações, os indígenas não foram totalmente subjugados, como afirmam aqueles que tendem ver a história como uma constante relação de explorador e explorado. Ao nos prendermos a esta visão maniqueísta deixamos de ver as relações culturais. É por meio da cultura que se manifestam os processos ideológicos de dominação, assim como os processos de resistência. Ao estudamos a questão indígena levando em conta a cultura podemos perceber que os indígenas não foram simples vítimas, nem os jesuítas os vilões, podendo assim, ambos, enxergados como sujeitos agindo dentro de um contexto histórico específico que os fazia agir de tal maneira.
A priore as práticas indígenas chocaram os jesuítas que lançaram o olhar cristão sobre tais práticas. Um ritual comum entre os tabajaras era a comemoração pelo uso inicial do tembetá (espécie de roletes colocados no lábio inferior). Esta comemoração, regada a bebidas fermentadas, ela elemento indenitário dentro da aldeia. Tais práticas foram sendo abolidas sempre de forma estratégica, evitando-se maiores conflitos.
Ao passo que iam abolindo certas práticas iam resinificando outras. Certas comemorações eram permitidas, contanto que os aldeados estivessem prontos para as orações e o trabalho logo ao amanhecer. Um exemplo deste processo de ressignificação é a festa da padroeira Nossa Senhora da Assunção. A primeira festa foi aos 15 de agosto de 1700 na ocasião os índios saíram em procissão com imagem de nossa senhora, e logo após foram festejar à sua maneira. Esta prática permanece até hoje, não são mais índios levando a imagem da santa - índia, são sujeitos descentes ou não destes tabajaras levando uma imagem que representa um elemento da identidade viçosense: o catolicismo caboclo. Como os antigos habitantes, após a procissão muitos seguem para comemorações profanas, este é o motivo pelo qual "o festejo" pode ser identificado como uma herança dessa negociação entre índios e jesuítas.
5. Um olhar histórico sobre a atualidade
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Atualmente
Viçosa do Ceará é um polo turístico, tendo como grande atrativo suas belezas
naturais, o clima serrano (ameaçado pelo desmatamento provocado em parte
pela especulação imobiliária), casarões do final do século XIX e início do
século XX e a Matriz do século XVIII. Uma boa pedida para aqueles que buscam refúgios
naturais e se interessam pela história do Ceará.
Porém,
o progresso vem ameaçando a exuberante natureza serrana, a exemplo do que
acontece em todo o país, o crescimento urbano tem causado danos ao meio
ambiente. Qual o preço do progresso? O tempo dirá, mas algo já se nota: não
temos mais o mesmo clima de algum tempo.
Com
o crescimento urbano, apesar da maior parte da população ainda residir em áreas
rurais, vieram também os problemas sociais: violência, drogas, expansão da zona
periférica, problemas de mobilidade, dentre outros comuns à vida urbana.
Observa-se
uma gradual mudança de mentalidade que se dá pelo avanço dos meios de
comunicação bem como o acesso à educação formal. Muitos saem em busca de
Universidades principalmente em Sobral, com destaque também a algumas cidades
do Piauí. Os que retornam trazem consigo um diploma e uma nova madeira de ver o
mundo para além das fronteiras da antiga aldeia.
Ainda
sobre as mudanças sociais observa-se uma quebra de hierarquia, durante muito
tempo por estas terras prevaleceu uma divisão de espaços: "lugares de
brancos" e "lugares de pobres", os brancos seriam aqueles
oriundos de famílias tradicionais ligados à tradição europeia, os pobres seriam
mestiços descentes de índios e negros. Hoje os mais diversos segmentos
compartilham os mesmos lugares.
As
festas religiosas continuam sendo os eventos que mais aglomeram pessoas, as
mais tradicionais são: Padroeira Nossa Senhora da Assunção (agosto) e São
Francisco (outubro). Apesar do crescimento das religiões evangélicas, o
catolicismo segue como principal culto. O catolicismo viçosense preserva muito
do catolicismo popular, onde elementos da religião romana se mesclam com
elementos populares, abrangendo: rezadeiras, santos populares, almas milagrosas
em um ambiente místico e fascinante.
A economia gira em torna da produção agrícola com destaque à
hortifruticultura que vem crescendo nas últimas décadas. Destaque também para a produção de cachaça que vem ganhando destaque nacional e ate internacional. Em seguida vem o
comércio e o turismo tendo este último um grande potencial de crescimento.
O
conhecimento histórico viçosense, durante tempos, ficou a mercê das elites que
o utilizavam ao seu bel prazer, daí ainda termos uma história elitista que
chama alguns para o banquete e deixa de fora a maioria. Não obstante devido às
mudanças mencionadas de níveis de acesso ao conhecimento, que vêm se dando em
todas as classes sociais, vemos uma nova história sendo escrita e sendo
contada. Uma história pautada na história social que se ocupa mais das mudanças
e permanências do que com o prestígio. Como bem nos alerta Jaques Le
Goff: O essencial atualmente não é sonhar como prestigio de ontem ou
amanhã. É saber fazer a história da qual se tem necessidade hoje, a ciência da
consciência do tempo, ela deve ser vista como a ciência da mudança e da transformação.
[1] Graduada em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Especialista no Ensino de História e Geografia. Auditada em Filosofia. Professora de História na cidade de Viçosa do Ceará.
[2] ARAGÃO, Batista. Índios do Ceará e Topônimos Indígenas. 2ªed. Fortaleza: Barraca do Escritor Cearense, 1994.
[3] GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. 2ªed. Fortaleza: Instituto do Ceará, 1962, p.28.
[4] GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. op.cit.,p.35.
[5] FILHO, Cruz. História do Ceará (Resumo Didático) op.cit.p.38.
[6] Id. Ibidem. p.40-41.
[7] MAIA, Lígio José de Oliveira. Cultores da Vinha Sagrada. Missão e tradução nas Serras de Ibiapaba. (séc. XVII). In: Trajetos- Revista de História da UFC. v.3.n°:6.2005.p.220.
[8] Ibidem. p.30.
[9] Apesar de Luiz Figueira mencionar os Carajiru, Vieira na Relação da Missão na Serras de Ibiapaba [1660], menciona Tocarijus. Ambos, no entanto, segundo Lígio de Oliveira Maio, refere-se ao grupo Tarairiú.
[10] MAIA, Lígio José de Oliveira. Cultores da Vinha Sagrada. Missão e tradução nas Serras de Ibiapaba. ( séc. XVII). Op.cit, p.220.
[11] Ibedem. p.221.
[12] Citação de Freire Alemão. In: SIQUEIRA, João Otávio. Viçosa do Ceará (Notícias Esparsas). Fortaleza: Edições Livros Técnicos, 2005.
[13]XAVIER, Maico Oliveira. "Cabôcullos são os os Brancos": Dinâmicas das relações socioculturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real (Século XIX). Fortaleza: SECULT, 2012.