quinta-feira, 19 de julho de 2012

E tudo que é líquido desmancha antes de chegar no ar



                                         
          Utopia de  Padre Zezinho                                                                                                Salvador Dali.                               
Das muitas coisas
Do meu tempo de criança
Guardo vivo na lembrança
O aconchego de meu lar
No fim da tarde
Quando tudo se aquietava
A família se ajeitava
Lá no alpendre a conversar
Meus pais não tinham
Nem escola, nem dinheiro
Todo dia, o ano inteiro
Trabalhavam sem parar
Faltava tudo
Mas a gente nem ligava
O importante não faltava
Seu sorriso, seu olhar
Eu tantas vezes
Vi meu pai chegar cansado
Mas aquilo era sagrado
Um por um ele afagava
E perguntava
Quem fizera estrepolia
E mamãe nos defendia
Tudo aos poucos se ajeitava
O sol se punha
A viola alguém trazia
Todo mundo então pedia
Pro papai cantar com a gente
Desafinado
Meio rouco e voz cansada
Ele cantava mil toadas
Seu olhar ao sol poente
Passou o tempo
Hoje eu vejo a maravilha
De se ter uma família
Quanto muitos não a tem
Agora falam
Do desquite ou do divórcio
O amor virou consórcio
Compromisso de ninguém
E há tantos filhos
Que bem mais do que um palácio
Gostariam de um abraço
E do carinho entre seus pais
Se os pais amassem
O divórcio não viria
Chamam a isso de utopia
Eu a isso chamo paz.
A música acima fala de um modelo de família que prevaleceu durante muito tempo. Modelo quebrado pelas transformações oriundas da consolidação do capitalismo e do avanço da globalização, dos meios de comunicação de massa e inserção da mulher no mercado de trabalho. Tudo isto gerou um novo modo de vida ao qual o sociólogo polonês Zygmunt Bauman  chamou de “Tempos Líquidos”. Esta liquidez se confronta com a solidez de outros tempos.
Na sociedade liquido- moderna os relacionamentos são efêmeros, na era descartável e individualista  o que não dá certo se descarta, pois a busca da felicidade individual é a regra. “Dane-se”, “primeiro eu, segundo eu, terceiro eu...”, são algumas máximas desse tempo. E “amor virou consórcio...”  Minha visão não é tradicionalista nem reacionária, pois tenho consciência   que as mudanças são necessárias para dar movimento a história. O problema não é quebrar paradigmas, e sim não se colocar nada no lugar. Fica um vazio... Vivemos em uma “Era Vazia”, incerta, inconstante. Modelos foram quebrados e outros não se consolidaram, daí a constante desorganização familiar. Isto  reflete em todos os outros grupos sociais.  Mas uma vez digo que não estou defendendo o modelo tradicional de estrutura familiar, falo de valores, de sentimentos, de dedicação e abdicação de uns em prol dos demais. Ninguém quer sacrificar sua felicidade pelo outro. Individualismo e  narcisismo destroem a convivência humana.
 Nunca tivemos tanto medo.  A cidade em outros tempos símbolo de segurança, hoje,  representa o contrário.  O medo faz crescer o mercado da segurança. Temos medo de pessoas: bandidos, assassinos, mendigos, meninos de rua, viciados em drogas, resumindo temos medo dos excluídos do capitalismo. Do capitalismo que vende a felicidade por meio roupa nova, do carro novo, da casa nova...artifícios da mídia que  tornou-se uma espécie de 4° poder. Poder tirânico que dita como você deve se vestir, como você deve falar, como deve ser seu corpo e seu cabelo. Que cria ídolos tão vazios quanto seus seguidores.
  Criamos a era da informática, expomos nossas vidas em redes sociais na sede de transformá-las em verdade.  Somos fracos, carentes e inseguros, somos líquidos. Como uma historiadora sensível e utópica penso que dias melhores virão. Mas não virão facilmente, é necessário criar antídotos contra a cobiça humana, contra tudo que nos atrasa. Estamos regredindo sobre a máscara do progresso. É necessário que o homem reaprenda a se encantar, a amar, a confiar e sonhar, a sonhar não com seu sucesso individual, mas com a humanidade. Quando escolhemos algo, escolhemos pela humanidade e não somente por nós... Sartre com sua filosofia existencialista nos alertava sobre as escolhas. Então que nossas escolhas sejam humanas, sejam pela humanidade, sejam pelo amor. 

4 comentários:

  1. Ter consciência de tudo isso é angustiante e ao mesmo tempo um alívio. Angustiante quando vemos certas destruições e, mais ainda, quando nos vemos no meio dela contribuindo de alguma forma sem perceber. Por exemplo quando nos manifestamos, nos expressamos, nos declaramos SÓ através da rede. É um alívio quando usamos, ou somos usados ou ainda quando nos deixamos usar de forma diferenciada (d) esses métodos de alienação em massa. Afinal a diferença não está em 'O QUE USAR', mas em 'COMO USAR'. Sentimos um pertencimento enorme de nosso lugar e ao mesmo tempo uma recusa negativa. Se existisse um estado físico entre o sólido e o líquido esse seria o nosso mundo Carlinha... É o que a Filosofia chama de Metafísica... mas como é a História que nos baliza... aceitemos essa (s) dialética (s).

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  2. E como é angustiante meu amigo, é muito. Então eu escrevo...para aliviar mais essa angústia.
    Muito boa sua reflexão, é bom saber que muitos percebem essa mudança de paradigma...e não só percebem, mas tentam escapar nesse "Intermediário". Forte abraço Romário!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. “Dane-se”, “primeiro eu, segundo eu, terceiro eu...” - Não vejo erro, nem exagero. O erro deve está no fato de acharmos que se eu quero o melhor pra mim, sempre, estarei fazendo isso quando descarto o meu olhar pro outro, já que alguém nunca será feliz se o mundo ao seu redor não existir, estiver em decadência. Eu ajudo o próximo SIM, por querer o melhor pra mim.
    "Vivemos em uma “Era Vazia”, incerta, inconstante" - Isso gera o medo - "Temos medo de pessoas: bandidos, assassinos, mendigos, meninos de rua" - medo de amar com toda a força que a palavra traz, por isso a exposição nas redes sociais, uma forma segura de relacionamento, ninguém se ver, de verdade, dizemos o que queremos, sem acareação, e pronto, o mundo idealizado é criado, sem dor nem dificuldades!
    Como diz Martha Medeiros

    Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário, quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis,quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho...

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