domingo, 3 de maio de 2015

Espantar-se é preciso

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Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto." Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
O trecho texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004.
Rubem Alves (que se foi há pouco tempo, mas deixou um legado poético e filosófico extraordinário) no texto a cima fala sobre o “espanto”. Faz quanto tempo que você, caro leitor, não se espanta? E o que é o “espanto”? Filosoficamente falando seria o “desbanalizar” o cotidiano, ver além do que nos parece banal. Quantas vezes nos pegamos a olhar as gotas da chuva caindo em uma folha? Parece bobo, não? Mas é aí que está o espanto, o olhar diferenciado, o olhar poético. Pode parecer para alguns algo louco, em meio a nossa sociedade pragmática, coisas desse tipo. Poderia está falando de teorias, descobertas históricas, política ou outros assuntos. Mas antes de ser alguém ligada às ciências humanas, sou alguém ligado ao humano, ao ser humano. E observando a minha geração e a que vem após a minha tenho sentido falta desse espanto, dessa curiosidade e principalmente dessa sensibilidade. Rubem Alves em uma entrevista fala sobre o professor que não ensina nada, o professor de espantos...pois  o conhecimento está nos livros, na internet, em revistas, jornais, enfim. O que falta é o buscar, é a curiosidade... e é por isso que esse professor de espanto se faz a cada dia mais necessário. 






Um comentário:

  1. Ver além requer vontade, requer desejos, requer sair de si, ao adentrar novos mundos você acaba enfrentando a si mesmo e várias percepções do quê é agradável ou não, vem de encontro à imensas possibilidades que faz você gostar ou faz você se sentir louco. Encantar-se por pessoas, por lugares, por poesia, por música é enlouquecer e ao mesmo tempo conhecer a si mesmo.

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